A mulher ofereceu a Tetsuya uma capa com um grosso tecido de algodão, que certamente o ajudaria a superar o frio inesperado. Era de um vermelho vivo e intenso e possuía um capuz grande. Parecia estar gasto devido ao tempo e ao uso.
Ignorando completamente as reações do vulpino, todos naquela sombria casa apenas o observaram quietos, sem ter sequer a preocupação de responder suas questões. O garoto - João - continuava trêmulo de excitação. Ou seria medo?
- Vamos logo, temos que aproveitar enquanto ainda é dia.
A voz amarga e robusta do homem ecoou pelas paredes de madeira úmida. O machado com a gosma verde agora pendia em seu ombro largo. A mulher correu até João e o abraçou forte, suas lágrimas se misturando com as dele. Ela beijou o topo de sua cabeça e se ajoelhou, segurando seu rosto com ambas as mãos.
- João, meu amor. Você agora tem uma irmã para te acompanhar. Esse dia finalmente chegou!
Não é incrível? Agora vá. Se cuide... e cuide dela.
Disse, aos prantos de alegria. Levantou-se, secou as lágrimas, e caminhou até Tetsuya. Apesar de seus olhos retratarem uma certa doçura, sua expressão naquela meia-luz lhe pareceria vil o bastante para uma completa desconhecida.
- Venha. O seu destino lhe chama! Não se preocupe, pois milhares de riquezas te aguardam...
A mulher esticou uma mão para que Tetsuya a acompanhasse. O homem com o machado saiu pela porta novamente, puxando João pelo braço. A porta estava sugestivamente aberta enquanto todos aguardavam o vulpino sair.
Enquanto isso, no que parecia ser um litoral distante, Venkar acordou para ver o dia raiar de dentro de uma caverna. Apesar de todas as estátuas e velas próximos ao seu leito, o local lhe pareceria estranhamente aconchegante. Não haviam algemas, tampouco feiticeiros. Apenas o enorme dragão que decidira explorar o lado de fora da caverna.
Ao sair, a forte luz do sol refletida no mar o incomodaria brevemente. Somente após alguns segundos ele observaria os arredores e notaria que estava completamente cercado por casas, casebres e choupanas de todos os tamanhos, estabelecimentos pequenos, um porto com um píer e um toco de madeira de cerca de três metros logo em frente à sua caverna, na beira do mar.
Alguém notou sua movimentação, pois imediatamente um som alto de berrante ecoou por toda a pequena vila.
Em seguida, um alvoroço tomou conta de todos os habitantes: suas roupas eram rudimentares e simplórias; datavam de uma era antiga que Venkar conhecia muito bem. Homens, mulheres, crianças, idosos - todos saíram de seus lares para se acumularem em frente ao dragão.
Rapidamente, a população se ajoelhou em sinal veneração, entoando sons fervorosos de cânticos sagrados.
Um homem idoso se destacou entre todos eles. Usava um turbante e possuía uma barba que alcançava seus joelhos trêmulos. Ele se ergueu da reverência e caminhou temerosamente para mais perto de Venkar. O medo era visível em seu olhar - todas as pessoas continuaram ajoelhadas, porém agora quietas.
- Venerável dragão dos sete mares! Que sua benevolência nos inunde de bênçãos! Que sua maviosidade nos traga o conhecimento que precisamos. Que sua couraça possa nos servir como envólucro frente aos monstros que abrigam os mares!
Após uma pausa, o homem se ajoelhou.
- É com grande honra que viemos lhe receber após tantos dias dentro de seu lar! Contudo... Ó, venerável dragão dos sete mares, esperamos atentamente por sua resposta. Clemência, é tudo que pedimos. Não se vá. Não nos deixe perecer nesta terra de perigos!
Enquanto Venkar se via em meio à tantas pessoas, Artemia perecia na solidão daquela imensa torre. A antiga demonesa, agora humana, movia-se de um lado para o outro no espaçoso quarto, formulando um plano para sair dali.
Embora ninguém respondia à porta, as janelas permaneciam abertas e convidativas. Artemia caminhou até uma das janelas e observou que havia outra mais acima, indicando um outro andar. Suspirando, a garota sentou-se novamente na cama e lamentou-se pela situação em que estava, cobrindo-se com o lençol de seda dourada.
Após alguns segundos, ela pensou "É isso!" e correu novamente até a janela, segurando o lençol.
Rapidamente, suas mãos começaram a trabalhar em nós firmes, unindo este lençol a outras cobertas espalhadas pela cama. Assim, Artemia trabalhou nos nós e uniu todos os tecidos possíveis até formar uma enorme corda. Após sua conclusão, a ruiva buscou pelo quarto por qualquer objeto médio, mas que fosse pesado o bastante para servir em seu propósito.
E então encontrou em cima da penteadeira um relógio de mesa de cerca de trinta e cinco centímetros e amarrou em torno dele vários nós do tecido. Rapidamente, a ruiva amarrou em torno de si própria a outra ponta da corda de tecidos e fez questão de testar se estava firme o suficiente.
Impulsiva como de costume, Artemia subiu no parapeito da janela e lançou o relógio para o alto. Falhou miseravelmente e quase caiu da torre. Persistente, ela continuaria tentando exaustivamente.