O dragão estava deitado em sua câmara, acordara recentemente e ouviu a pergunta de sua amiga. O que seria uma escova de dentes? Depois dela explicar, o dragão achou graça no que ela queria. Mas também impressionado como ela se importava com ele. Rosnou a respondendo, sua voz gutural e baixa. Os olhos em fenda a observando, brilhantes.
- É claro que pode, eu abro a minha boca e você poderá escovar da maneira que preferir.
Apreciava a expressão dela, de travessa, Yumi ficava mais linda quando agia desta maneira, sua amizade deu um salto de intensidade. Se ela conseguisse mesmo um objeto grande destes, bastava ela pedir que ele ficaria com a bocarra aberta, para ela poder limpar os seus afiados dentes. Ela cabia com folga de pé sobre a sua mandíbula inferior. E podia ver quão eram perigosos os seus dentes, sua língua longa e fina, bifurcada na ponta, como a de uma enorme serpente.
- Ah aquela outra câmara, é onde pretendo guardar o meu tesouro, quando eu encontrar, é claro. Ouro, pedras preciosas... objetos valiosos. É importante para mim.
Decidiu contar enfim, o propósito daquela segunda câmara.
Dias, meses se passavam, a amizade entre a Kitsune e o dragão ficava mais sólida. Yumi perceberia que algo estava acontecendo, pois sempre que estava em apuros, Venkar aparecia para socorrê-la. O episódio do armário fora apenas um deles... quando criaturas na floresta a ameaçaram, ele surgiu por entre as árvores, rugindo feito uma fera selvagem e os afugentou a todos. Assim que ela voltara para casa, no entanto, o vingativo dragão caçava cada uma das criaturas, eliminando uma a uma. Só depois retornava para o lar, depois de se banhar, para que ela não soubesse. Era uma preocupação que ela não precisaria ter.
Ele continuava com a sua rotina, caçava de noite, e ficava durante a tarde junto de Yumi, ou conversando, ou a ajudando em algo. Não gostava dela sempre retornar para a cidade em ruínas. Mas a deixava ir. Sabia que não poderia prendê-la ou ficaria infeliz. Apreciava imensamente as noites que passavam conversando ou apenas desfrutando da presença um do outro.
Para o dragão solitário, aquilo era uma mudança bem-vinda. Antes um ser solitário, agora aprendeu que ter uma companhia agradável e querida era muito bom... e com o tempo passou a compreender que não conseguiria viver sem ela.
Foi durante esta realização que Venkar decidiu aproximar a amizade e confiança entre ambos de uma forma muito mais profunda. A chamou para o seu covil e na grande câmara, havia um recém buraco aberto, e nele... um liquido vermelho e amarelo MUITO quente. Era magma, como o dragão tinha conseguido aquilo... era um mistério. Em todos os meses que ficaram juntos, ele nunca havia antes revelado seu sopro de fogo. Tinha soprado fogo durante a manhã e a tarde toda em um rochedo que encontrou no fundo do lago, que era do material que necessitava. Seu hálito escaldante havia derretido a rocha e ele preparou um local especial para que a rocha liquefeita ficasse contida.
- Yumi, preciso lhe contar uma coisa.
O enorme dragão estava sentado sobre as patas traseiras, com o corpanzil erguido e as suas majestosas asas abertas, as pontas delas raspavam nas laterais da enorme câmara principal de seu covil. Ele a preenchia quase toda nesta posição, sua expressão parecia a de reverência, e suas duas patas dianteiras estavam unidas, os dedos providos de garras entrelaçados. Era uma posição estranha que seu amigo estava naquele instante, normalmente ficava sobre as quatro patas. Diante dele o pequenino poço com a rocha incandescente borbulhava lentamente.
- Eu não sei como aconteceu... nenhum dragão que eu conheci disse algo a respeito... mas eu, eu posso sentir quando você está em perigo. Eu não sei explicar, mas aqui. - Ele separou as duas patas e com a direita colocou na posição onde seria o seu coração. - Aqui algo me diz quando precisa de minha ajuda... quando algo está para acontecer de mal á você.
Respirou fundo, e baixou um pouco a cabeça, a fitando.
- Por isso decidi dar um passo adiante em nossa relação. Eu posso, uma vez a cada muda, imbuir um objeto com uma ínfima parte de meu ser. Pode ser um colar, ou um anel... uma pulseira. Com isto, você poderá se comunicar comigo sem o uso de nossas vozes, e também compartilharemos lembranças e acontecimentos. É algo muito mais profundo do que apenas uma conversa... você saberá o que eu penso, saberá onde estou, e o mais importante, basta pensar em mim e me chamar em sua mente, que eu responderei... de onde estiver. Eu ofereço isso para ti, minha querida e gentil amiga e companheira. Enquanto usar este objeto, está em contato direto comigo. Faço isso por nossa amizade, e jamais deixarei que algum mal lhe atinja.
Fez uma pequena pausa, então perguntou.
- Você aceita a minha oferta, Yumi?
A observava atentamente, era um presente irrecusável que o enorme dragão oferecia. A partir daquele dia a interação entre os dois mudaria para um novo patamar. Jamais ela se sentiria sozinha novamente, pois era necessário apenas se concentrar no item escolhido, que ela estaria junto de seu amigo. Mesmo ambos estando a vários quilômetros de distância um do outro.